PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA
O DESPONTAR DA PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA
O impulso inicial é marcado por seu interesse pelo romantismo de autores alemães. Ele publica em 1959 o livro Aspectos filosóficos do romantismo, no qual empreende uma verdadeira pesquisa histórica sobre o assunto. Muitos elementos empregados nesse livro se desdobrarão em problemáticas futuras, tais como suas interpretações sobre o expressionismo e outros desdobramentos do teatro moderno e contemporâneo. Na visão de Bornheim, o romantismo alemão oferecia uma espécie de base para as potencialidades ulteriores da filosofia. Por aí notamos sua importância dentro dos estudos do autor.
O idealismo alemão está presente ainda a partir das ideias de Hegel, do qual investiga a vigência e os processos de totalização que despontariam na abordagem sistemática da história da filosofia e as consequências daí depreendidas para a estética do autor alemão. É importante salientar também o lugar que ocupam nas interpretações de Bornheim alguns autores alemães como Nietzsche, Winckelmann, Kant, Schiller, Marx, Eugen Fink e Ernst Cassirer. Nietzsche e Winckelmann, sobretudo em seus resgates da filosofia grega, e principalmente o empenho de ambos pela estética e expressões artísticas. Nietzsche é também importante pela denúncia da crise da metafísica que será explorada por Heidegger, Fink e Cassirer e que invade a arena filosófica e cultural do Ocidente.
Neste ponto vale ressaltar o ingresso de Bornheim num período que impulsiona sua produção sobre o teatro e as linguagens artísticas, de uma forma geral. Nela estão envolvidos ensaios produzidos na década de 1960 e publicados em seguida. Incluem-se aí os ensaios que compuseram o livro O sentido e a máscara e Teatro: a cena dividida. Nestes livros, de importância fundamental em seu trabalho, um painel das interpretações sobre o teatro contemporâneo é exposto e confrontado com visões históricas que resultaram em uma coesão natural entre os capítulos.
A versatilidade com que Bornheim discorre da tragédia grega aos trabalhos de Goethe, ou mesmo de Aristóteles à dramaturgia de Shakespeare, Brecht e Ionesco, por exemplo, chamou a atenção dos estudiosos do tema no Brasil. Frequentemente eles o solicitavam e lhe conferiam um papel especial dentro desse campo de pesquisa. O envolvimento de Bornheim era despertado ainda por determinados filósofos que desenvolviam atividades artísticas. É o caso de Gabriel Marcel – que foi inclusive seu interlocutor –, que além dos estudos sobre ontologia atuava como dramaturgo.
A importância de Sartre nesse sentido não pode ser negligenciada. Ela se estendia do teatro e da literatura ao cinema. Quanto à obra de Sartre, como se sabe, Bornheim dedicou dois livros,[1] artigos, conferências e entrevistas, destacando-se no Brasil com estudos pioneiros e decisivos sobre o autor francês.
Ao mesmo tempo em que mergulhava na interpretação de linguagens artísticas especialmente por meio do teatro, Bornheim se envolvia na filosofia com tendências que se consolidavam na época. Foi o caso da fenomenologia, da dialética e do existencialismo sartriano, que mostravam uma transição para uma espécie de frequentação comum dentro das discussões.
Bornheim publica ainda nessa época uma seleção de textos de filósofos pré-socráticos comentados a partir de uma vertente nietzschiana e heideggeriana que valorizou a questão filosófica da physis como produção da natureza. Tal filosofia era apresentada ao leitor brasileiro, permitindo-lhe o acesso histórico às diferenças e ao desenrolar da metafísica tradicional.
No livro Os filósofos pré-socráticos encontram-se também afinidades de Bornheim com leituras de Winckelmann, Werner Jaeger e Ernst Cassirer. A essa publicação seguem-se respectivamente os trabalhos: Introdução ao filosofar: o pensamento filosófico em bases existenciais, Porto Alegre, Globo (1969); Metafísica e finitude. São Paulo, Ed. Perspectiva (1972); Heidegger. L’Être et le temps. Paris, Hatier (1976) e Dialética, teoria e práxis: um ensaio para uma crítica da fundamentação ontológica da dialética, Porto Alegre, Globo (1977). Esses trabalhos de certa forma indicam a ênfase teórica e definem escolhas das principais interpretações de Gerd Bornheim.
No livro Introdução ao filosofar, resultado de sua tese de livre-docência, Bornheim ressalta uma autêntica leitura do panorama existencial contrastada com o romantismo alemão e com as ideias de experiência negativa, nostalgia e o tema da distância. Trata-se de um instigante inventário sobre a atitude do filosofar, seus pressupostos, compromissos e novos rumos, pois sublinha também as transições, desafios e mudanças com que se deparam as interpretações filosóficas.Estas para o autor devem superar as posições dogmáticas e assumir uma atitude crítica e interpretativa da realidade que nos cerca. Cabe ressaltar que esse panorama vai repercutir em suas interpretações sobre Sartre e Heidegger, dois autores que ocupam lugar importante em seus trabalhos.
Essas interpretações são bem traçadas em Metafísica e finitude e Heidegger, L’être et le temps, que revelam a familiaridade de Bornheim com o pensamento ocidental contemporâneo, onde ecoam ainda certas influências do período em que ele esteve na Europa. As preocupações que aparecem nesses trabalhos se intensificam já em Dialética, teoria e práxis, principalmente mediante a ênfase nos processos históricos que se refletiram em análises posteriores, tanto do panorama artístico, como dos trabalhos do autor sobre a filosofia de Sartre, por exemplo. Dialética, teoria e práxis destaca-se como importante trabalho teórico e excelente painel histórico sobre a dialética.
O livro Dialética e sociologia, de Georges Gurvitch, certamente influenciou o estudo desenvolvido por Bornheim sobre o assunto. Há em Gurvitch uma abordagem histórica de ideias e pensamentos mediante autores consagrados ao tema, e questiona-se assim o sentido e a representação do método dialético, sua própria atuação prática e social. Muitas das escolhas de Bornheim, que evidentemente trilha um caminho próprio, se encontram com as do sociólogo francês, tais como os momentos da dialética em Platão, Hegel, Marx e Sartre, mas também nas referências a autores contemporâneos como Jean Wahl, Bachelard, Merleau-Ponty e, no caso de Bornheim, ainda de Hyppolite e Max Müller. Os caminhos perseguidos por Bornheim elegem nesses autores, entretanto, passagens visivelmente diversas das de Gurvitch e procuram realçar mais aqueles momentos que tal autor reservou ao apêndice (como é o caso de Sartre).
A vinculação com expressões culturais, como salientamos anteriormente, é constante e aparece de maneira geral em todo o conjunto de obra de Gerd Bornheim. Esse modo de abordagem e atuação irá conferir a ele o reconhecimento como um dos nossos principais expoentes em estética e filosofia da arte. Basta olharmos para trabalhos como Teatro: a cena dividida (Porto Alegre, L&PM, 1983), Brecht: a estética do teatro (Rio de Janeiro, Graal, 1992), Páginas de filosofia da arte (Rio de Janeiro, UAPÊ, 1998) e Conceito de descobrimento (Rio de Janeiro, UERJ, 1998) para percebermos a acuidade de tais interpretações. Elas já estão presentes nos estudos sobre Sartre, como o Idiota e o espírito objetivo (Porto Alegre, Globo, 1980 e Rio de Janeiro, UAPÊ, 1998), importante ensaio sobre a relação de Sartre com a literatura, no qual Bornheim tece comentários a partir dos três extensos volumes escritos por Sartre sobre Flaubert (L’Idiot de la famille, Gustave Flaubert de 1821 à 1857).
O outro livro que apontamos é Sartre: metafísica e existencialismo (São Paulo, Ed. Perspectiva, 1984; a edição que utilizamos é a de 2000), que revela a filosofia de Sartre e resume as teses principais de forma instigante e crítica. É assim que ele vai ser convidado a prefaciar e analisar as principais edições críticas da obra de Sartre publicadas no Brasil. Análises que sem dúvida merecem atenção pela forma original de exposição e discussão.
[1] O idiota e o espírito objetivo, Rio de Janeiro, UAPÊ, 1998 e Sartre: metafísica e existencialismo. 3 edição (1 edição, 1984). São Paulo, Perspectiva, 2000.